"Nenhum tema se vulgarizou tanto na sociedade ocidental filmada como o sexo. Contudo, os meandros por onde o grande ecrã apresenta este tema são, praticamente sem excepção, uma exposição estilizada e cada vez mais aborrecida de um acto sexual clichezado. Há, contudo, realizadores que sabem manejar o sexo, para além dos tabus, ou mesmo dentro destes tabus. Há os despudorados, como Larry Clark, e há os estetas, como Jean-Claude Brisseau. O que os une é a tentativa de usar o sexo como liberdade, cada um à sua maneira. Como compreensão, como escape, como pathos.Quem brinca com o fogo, queima-se. Frase feita icariana de índole popular, espécie de advertência católica contra qualquer tipo de tentação, mas que se aplica, em jeito de moral da história, ao mais recente filme do realizador francês. Os Anjos Exterminadores relata a procura voyeurista de uma realizador perseguido pelos seus fantasmas. François, enquanto prepara a realização de outro filme, depara-se com a sua necessidade de compreensão da sexualidade feminina. Esta necessidade irá dar azo à criação de um novo filme, numa espiral de polémica perante uma sociedade exterior que nunca se sente. O ambiente do filme é fechado em si próprio, repousando tudo sobre os ombros de François.A partir deste ponto, François entregar-se-á à procura das suas actrizes no seu método muito próprio. Observá-las e filmá-las na sua procura pelo prazer. É assim que vai conhecer e dar a conhecer entre si Charlotte, Julie e Stephanie, três jovens sem relação mas que rapidamente constroem um triunvirato que será tanto o sucesso como a ruína do realizador. Com elas, François cria uma relação parental edipiana de atracção e envolve-se cada vez mais, perdendo o controlo. Pelo meio de tudo isto, aparições de cariz demoníaco parecem reger externamente a história desde o principio, como se a sexualidade feminina fosse, de facto, um segredo dos deuses.Neste filme com forte pendor autobiográfico, François assemelha-se à Justine de Sade a quem tudo acontece pela sua virtuosidade, com reflexo na sua sexualidade. Com o senão de que, aqui, é ele mesmo que despoleta todos os acontecimentos sobre si próprio, sem o saber. Ou sabendo-o. Os Anjos Exterminadores importa menos como caracterização lésbica de um prazer feminino ainda misterioso do que como pesquisa freudiana de uma realizador que é uma sociedade à procura de respostas. É menos De Olhos Bem Fechados do que é O Último Tango em Paris. Há uma concepção de sexo e prazer, uma procura do tabu, uma despreocupação face ao conservadorismo burguês que cria algo mais que o mero sexo, ainda que, em última instancia, tudo se resuma a isso mesmo.Brisseau premeia, como sempre, uma estética visual, uma encenação de grande espectáculo em que, por vezes, a nossa visão se confunde com a de François. É ainda interessante rever o carácter do destino, enquanto fado, deste realizador apolíneo e dionisíaco ao mesmo tempo. Um destino que constrói por oposição à imagem de um anjo exterminador que o vai controlando enquanto ele se imiscuir nesse assunto negro, o sexo dos anjos, que é o sexo das mulheres. A bem dizer, Brisseau consegue menos do que aquilo a que se propõe, em grande parte por estas inusitadas aparições mal limadas. Fosse o filme de Brisseau o filme de François, ou fosse o filme de Brisseau apenas sobre o filme de François e o resultado seria bem diferente."
19.2.08
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