12.7.10

mamas patrióticas, por favor

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"Deixar de vez a inspiração francesa - este é o pretexto do escultor João Cutileiro para propor um concurso público de que saia a encomenda de um novo busto da República.

O escultor João Cutileiro lançou o debate e pede "um concurso público para que se crie um novo busto da República portuguesa".

A principal razão é a falta de identificação do actual com a cultura portuguesa - na cabeça da "República" (nome popular do busto) há um barrete frígio que chegou cá através da inspiração francesa (anda sobre o cabelo da Marianne, o busto de lá). "É uma vergonha", diz o escultor. Há muito quem pense o contrário.

"Não vejo necessidade nenhuma de alterar o passado, mas não me choca nada que se façam outros bustos a celebrar a República, como aconteceu, aliás, depois da instauração, em 5 de Outubro de 1910, quando houve por contágio um movimento de vários artistas que criaram diversos bustos", explica ao DN Fernanda Rollo, comissária da Comissão Nacional do Centenário da República (1910-2010).

"Agora, a verdade é que isso não está na agenda desta comissão nem é considerado sequer uma prioridade, apesar de reconhecer que aquilo que se faz em França [actualização da musa que inspira o busto] seja muito interessante", acrescenta.

"Eu acho que se devia fazer um concurso para se acabar com esta vergonha", diz, algo a brincar, João Cutileiro. "O que é que o barrete frígio tem a ver connosco?", pergunta-se o escultor.

Bem, a ligação é meramente de inspiração: o barrete frígio notabilizou-se nas cabeças dos combatentes republicanos franceses. E ficou como símbolo de liberdade, que é isso que significa. Como a República francesa inspirou a portuguesa, eis o barrete frígio na cabeça do regime quase centenário. "Se fizer um busto com um chapéu de abas largas não deixa de ser a República", glosa o mestre João Cutileiro.

E finaliza: "Devia abrir-se um concurso público, bem divulgado e bem pago, para aparecerem candidatos que se dediquem a encontrar um novo busto". Pelo meio, deixa algum sarcasmo a propósito do significado pouco puro de "concurso público" no país.

Na vertente histórica, o tema colhe várias opiniões. Maria Cândida Proença, historiadora (e autora de obra diversa sobre a República), não fica chocada com o debate. "Há que ter em conta dois aspectos: a simbologia, e o barrete frígio está indissociavelmente ligado à República; e a vertente estética, como obra de arte", diz. E apesar de não ver qualquer necessidade na mudança, admite-a: "Para mim não é escandaloso que se pense que a arte evoluiu e que se pense em mudar", diz a professora de História da Universidade Nova de Lisboa.

Já Luís Reis Torgal, da Universidade de Coimbra, não encontra qualquer razão para que se proceda à mudança. "Francamente, se esta é a bandeira que deveria ter sido? Se calhar, devia-se ter mantido a bandeira azul e branca, que era a nossa, mudando-lhe o escudo monárquico pelo republicano. Se o hino tem a letra mais indicada? Se o busto é o melhor? O que eu acho é que são símbolos instituídos e não faz grande sentido pensar em alterá-los, precisamente agora que se chega aos cem anos do regime", defende o historiador. "A história é feita destas incongruências", resume.

Reis Torgal, no entanto, abre-se a outras perspectivas sobre os símbolos da República. "O tempo passa e a história continua. Se calhar podia-se pensar em criar outros símbolos da República que traduzissem melhor a época em que vivemos, que é definitivamente diferente daquela que se vivia quando foi instaurado este regime", propõe.

Ou seja, numa fase em que se tira o chapéu ao regime (investem-se dez milhões de euros para celebrar o centenário da República instaurada em 5 de Outubro de 1910), chega-se à discussão da coerência de mais um dos seus símbolos, depois de acalorados debates sobre a congruência (e a actualidade) do hino ou das cores da bandeira.

Foi João Cutileiro que lançou o mote: deve tirar-se à República o barrete frígio (o nome remonta à Frígia, terra dos frígios, antigo povo que habitava na região que agora é ocupada pela Turquia)?

Os artistas, os historiadores e... os republicanos discutem agora a pertinência dos símbolos, quando faltam dois dias para o início das comemorações oficiais do centenário desta República."

DN

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