5.8.11

trágica, trágica, trágica!


"O INTRATÁVEL

AFIRMAÇÃO. Perante e contra tudo, o sujeito afirma o amor como valor.


1. 1. Apesar das dificuldades da minha história, apesar dos incómodos, das dúvidas, dos deseperos, apesar da vontade de tudo abandonar, não deixo de afirmar a mim mesmo o amor como um valor. Escuto todos os argumentos que os mais diversos sistemas utilizam para desmistificar, limitar, apagar, em suma, depreciar o amor, mas obstino-me: “Bem sei, mas mesmo assim...” Atribuo as desvalorizações do amor a uma espécie de moral obscurantista, a um realismo-farsa, contra os quais defendo o real do valor: oponho a tudo “o que não corre bem” no amor a afirmação do que nele há de valor. Essa teimosia é o protesto do amor: no concerto das “boas razões” de amar de outro modo, de amar melhor, de amar sem estar apaixonado, etc., faz-se ouvir uma voz teimosa que se prolonga durante algum tempo mais: a voz do Intratável apaixonado.

O mundo submete todo o empreendimento a uma alternativa: o sucesso ou o insucesso, a vitória ou a derrota. Protesto com base numa outra lógica: estou, ao mesmo tempo e contraditoriamente, feliz e infeliz: “sucesso” ou “insucesso” não têm para mim senão um significado contingente, passageiro (o que não impede a violência dos meus sofrimentos e desejos); o que me anima, surda e obstinadamente, nada tem de táctico: aceito e afirmo, independentemente de ser verdadeiro ou falso, bem sucedido ou mal sucedido; fasto-me de toda a finalidade, vivo à mercê do acaso (à medida que as figuras do meu discurso me vêm à mente como as jogadas dos dados). Enfrentando a aventura (o que me sucede), não saio nem vencedor nem vencido: sou trágico. (Dizem-me: essa forma de amor não é viável. Mas como avaliar a viabilidade? Por que razão ser viável é um Bem? Por que razão durar é melhor do que arder?)


2. 2. Devia escrever urgentemente, naquela manhã, uma carta “importante” – da qual dependia o sucesso de certo empreendimento; mas, em vez disso, escrevi uma carta de amor – que não enviei. Abandono alegremente tarefas mornas, escrúpulos razoáveis, condutas reactivas, impostas pelo mundo em benefício de uma tarefa inútil, originada num Dever incontestável: o Dever de amor. Faço discretamente coisas loucas; sou a única testemunha da minha loucura. É a energia o que o amor descobre em mim. Tudo o que faço tem um sentido (posso, portanto, viver sem me lamuriar), mas esse sentido constitui uma finalidade inatingível: não é senão o sentido da minha força. Inflexões dolentes, culpadas, tristes, todo o reactivo da minha vida quotidiana regressou. Werther louva a sua própria tensão, e afirma-a, face às vulgaridades de Alberto. Nascido da literatura, não podendo exprimir-me senão com o auxílio dos seus códigos gastos, estou, no entanto, só com a minha força, condenado à minha própria filosofia."


ROLAND BARTHES, FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO