27.11.11

bonjour amour

- ou o eterno amanhecer de um amor.

"O amor é uma questão confusa em Sartre, mas uma questão radiosa também. Se o amante pode de facto encontrar-se envolto em inquietação, pela obsessão de não ser mais do que um simples instrumento da satisfação narcísica do outro, ele pode também extrair daí a salvação. Imperfeito, mortal, ele pode também tornar-se «único» pela graça que alguém lhe concede amando-o. Pode estar protegido de qualquer eventual desvalorização, tornar-se um fim em si mesmo, um valor absoluto. Não já um exemplar de entre milhões de exemplares, mas uma singularidade excepcional. Não já um anónimo grão de poeira destinado a voltar a ser pó, mas uma «alma», no sentido quase religioso do termo.

O amor, único infinito disponível num mundo esvaziado de deuses? André Breton tornar-se-á o arauto desta visão em O Amor Louco, onde exaltava a fusão total entre dois amantes como a única passagem natural e e sobrenatural que ainda pode ser lançada sobre a vida. O teórico do surrealismo fazia de si mesmo, contudo, o cantor do amor exclusivo, condição sine qua non para alcançar o nirvana que restitui «a todas as coisas as cores perdidas do tempo dos antigos sóis». Para isso, maltratava aí o sofismo medonho, do seu ponto de vista, que consistia em defender que o tempo corrói inevitavelmente o amor, leva cada um a perder a pouco e pouco o seu carácter electivo em relação ao outro, e fatalmente a apaixonar-se por fora, de modo a reencontrar a mesma emoção. Um caminho que Sartre não percorrerá evidentemente, como praticante activo de amores múltiplos. todavia, era aí que conduziam, em linha recta, os princípios da sua filosofia emergente. De resto, ele nunca teorizará o amor libertário, excepto na sua correspondência. É de crer que a seus olhos isso não fosse pura e simplesmente justificável em termos filosóficos.

«Como é bom que eu tenha olhos, cabelo, sobrancelhas e os prodigalize incansavelmente numa torrente de generosidade perante esse incansável desejo a que outrem dá livremente corpo», escreve Sartre, numa espécie de tirada mística onde está expressa toda a sua confiança no amor. «Em vez de, como antes de sermos amados, nos inquietarmos com esta protuberância injustificada, injustificável que era a nossa existência; em vez de nos sentirmos «a mais», sentimos agora que esta existência foi retomada e desejada nos seus mais ínfimos detalhes por uma liberdade absoluta que ela ao mesmo tempo . Está aí o fundamento da alegria do amor desde que ela existe: sentirmos a nossa existência justificada.» Amado, já não sou um elemento que se destaca com o mundo como pano de fundo, sou aquele através de quem o outro vê o mundo. Amado, eu próprio me torno o mundo. E que mais acrescentar a isto, de facto? Nunca ninguém aprendeu melhor aquilo que move homens e mulheres a lançarem-se tão selvaticamente e de um modo tão constante num sentimento que por vezes os destrói, frequentemente os perde, nalguns casos os salva."


Aude Lancelin, Marie Lemonnier,
OS FILÓSOFOS E O AMOR

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