1.6.12

onde está o amor?


Foi um AMOR que se lhes deu

by Vitor Belanciano 



Não tenho números, dados científicos, mas chega esta altura do ano e é vê-los a separarem-se. Casais, quero dizer. Pelo menos nos círculos por onde me movimento. Parece, assim a modos, que é uma coisa que se lhes dá. Até nas revistas de sociedade, que se alimentam todo o ano do frenético mercado das “separações” e, inevitavelmente, dos “novos parceiros”, a época é de grande abundância


Deve ser da lua, dizem uns. Certamente é do calor, avançam outros. Decididamente é porque "a invasão da dopamina que activa os centros de recompensa do cérebro e produz prazer" não está suficientemente estimulada, dirão os que gostam de observar o amor pelo ponto de vista da neurociência.

Mas o argumento mais demolidor é o da "química". Ou "há" ou "não há", alegam com convicção todos, e não se fala mais disso. A "química" é a justificação de tudo e nada. Na minha intuitiva visão é apenas a forma que tendemos a falar dos afectos quando não compreendemos minimamente os afectos.

Vivemos num tempo onde nunca existiu tanta liberdade de escolha de parceiros e a variedade de modelos de relacionamento parece infinito, mas olho em redor e só vislumbro gente desassossegada, insatisfeita, pronta para terminar relações. Nem a malfadada crise económica parece arrefecer os espíritos.

Talvez seja, como diz o conhecido sociólogo polaco Zygmunt Bauman, reflexo de vivermos num mundo cada vez mais desordenado, no qual o amor também passou a ser experienciado de uma maneira mais fragmentada e insegura, de "química" em "química" à procura da combustão ideal, que nunca chegará, inevitavelmente.

Em vez da maratona, que qualquer relação profunda, amadurecida e leal acaba por ser, com harmonia mas também momentos de inevitável conflito, com fases de efervescência mas também de natural acalmia, tantas vezes confundida com monotonia, opta-se cada vez mais por sucessivas corridas de 100 metros, sempre em busca de "recomeçar do zero".

Se uma relação não cumpre o ideal de alguém, já se sabe, regressa-se ao "mercado das relações" e troca-se por alguém menos chato. Ou então, entra-se em novos relacionamentos sem nunca fechar verdadeiramente as portas para outros que se possam insinuar como mais "interessantes" no futuro próximo.

É por isso que estamos inundados de "amizades coloridas" ou de "novos amigos que na semana passada eram namorados", numa profusão de relações sem grande compromisso, nem densidade, que podem ser facilmente suspensas.

Quanto mais fácil se torna terminar relacionamentos, menos motivação existe para negociar ou vencer as dificuldades que qualquer relação sofre.

O que é estranho é que isto acontece com gerações em que o "conhecimento de si próprio" se tornou num valor irrevogável. Mas também numa verdadeira indústria, onde o "conhecimento interior" é praticado à superfície, sem chatices, sem conflito, sem se escarafunchar na merda.

É como aquelas pessoas que compram um gato, porque é muito "fofinho", sem entenderem que todos os dias terão de limpar o cocó do dito.

As relações verdadeiramente intensas exigem constância, conhecimento dos avanços e não temer ocasionais retrocessos. Pertenço a uma geração de gente bem formada, em muitos domínios, capaz de recitar, de um só fôlego, os dez cantos, as 1102 estrofes que são oitavas decassílabas, sujeitas ao esquema rítmico fixo AB AB AB CC, de “Os Lusíadas” de Camões.

Mas quando se trata de pensar os afectos estamos ainda na infância. Deve ser da famosa “química”.

in Público 29 de Junho de 2011

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