14.10.09

o CRIME IMPERFEITO

- e os vários modos de morrer por dentro
(de amor, de desgosto, de desejo...)
.

.
"Há crimes de paixão e crimes de lógica. Com uma certa dose de comodidade, distingue-os o Código Penal, pela premeditação. Vivemos no tempo de premeditação e do crime perfeito. Os nossos criminosos já não são aquelas crianças desarmadas que invocam o amor como desculpa. Hoje, pelo contrário, são adultos, e o seu álibi irrefutável é a filosofia que pode servir para tudo, até para transformar os assassinos em juízes.

Heathcliff, n'O Monte dos Vendavais, seria capaz de matar a terra inteira para possuir Cathie, mas nunca lhe ocorreria a ideia de afirmar que semelhante crime era racional ou justificado por um sistema. Cometê-lo-ia e por aí se fica toda a sua fé. Mas semelhante atitude pressupõe a força do amor e a existência do carácter. Como a força do amor é coisa rara, o homicídio mantém-se como acto excepcional e conserva, nessa altura, o seu aspecto de extrema violência. Mas, a partir do momento em que, por falta de carácter, se forja apressadamente uma doutrina, a partir do instante em que o crime se torna matéria de raciocínio, ela passa a proliferar como a própria razão e assume todas as figuras do silogismo. De solitário como um grito que foi, ei-lo universal como a ciência."
.
.

Albert Camus, O Homem Revoltado

.

(Isto foi, apenas, uma pequena introdução ao assunto. É só dar-me o tempo de retirar um punhal espetado nas costas e convalescer disso, que eu estarei em condições de dar seguimento ao tema.)

Sem comentários: