15.10.09

murmúrios do corpo

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(…) uma mulher encontra um homem. Abraçam-se. Um outro homem aparece e começa a desprender metodicamente os braços da mulher do corpo do seu par, coloca os braços deste último de maneira a poder receber a mulher deitada, pega nela e depõe-na nos braços assim arranjados. Sem forças para a segurar, o par da mulher deixa-a cair por terra. A cena repetir-se-á várias vezes, enquanto a música de Purcell envolve de sublime esses corpos com gestos de amor subitamente esvaziados.
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(…) Uma palavra vem sempre rodeada de emoções não-definidas, de tecidos esfiapados de afectos, de esboços de movimentos corporais, de vibrações mudas de espaço. Forma-se uma atmosfera não-verbal que rodeia toda a linguagem. Quando Pina Bausch propõe ‘ternura’ como palavra-chave, desperta nos seus bailarinos essa camada atmosférica não-verbal.
Não se trata do silêncio, mas de qualquer coisa que não é da ordem nem da ausência nem do ‘branco psíquico’, qualquer coisa que quereria falar e não pode. Qualquer coisa que passa entre a fala e o silêncio e é o murmúrio do corpo que compõe o seu sentido irradiante. Não o seu contexto, mas aquilo que toda a fala produz sobre as camadas não-verbais corporais ou psíquicas, ressonâncias sensações, afectos e movimentos de pensamento que não pensam nada.
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(…) A minha resposta a um ‘amo-te’ apaixonado exprime-se melhor no gesto de deixar cair por terra a mulher que mo diz do que em qualquer réplica verbal que seja.”

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José Gil, Movimento Total – O Corpo e a Dança
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