3.6.10

um beijo que é como um poema

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No principio era o beijo.
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O beijo foi a origem de tudo. Do coração. Um coração surge e não mais cabe dentro do peito. Da respiração. A respiração sem ritmo, descontrolada. Ar. Fogo. Da boca. Boca que se perde e se reencontra noutra boca. Dos lábios. Lábios que sentem ao mesmo tempo que são sentidos. Tocam quando são tocados, são tocados quando tocam. Assim sustentam o beijo e o guardam na sua carne. A carne! O olhar. O cheiro. A memória. A recordação das coisas está invencivelmente ligada por nós à recordação dos caminhos que a eles conduziram. Superfície. A pele faz das impressões do corpo paisagens de cores, onde se entrelaçam e modificam múltiplas sensações. O interior vem à flor da pele. O exterior é absorvido até às vísceras. Vertigem. O corpo ganha contornos, definição. Flor de morangueiro desabrochada em meus lábios. O movimento ganha corpo. O corpo. Massa. Enches a minha boca de cores e sabores dos teus lábios que se confundem nos meus. O teu coração a palpitar-me na boca. Os lábios desenham-se em torno desse beijo. São agora terra, água. Minha boca, morango desfeito na tua. O beijo. Repouso para os lábios que se desgastam nas formalidades das palavras quotidianas: ‘Bom dia. Se faz favor. Estou bem, obrigada’. Reencontra-se um ritmo em comum. Pum-pum. Pum-pum. Dá sangue e carne à interioridade que parece vazia. Dá conteúdo, matéria, à abstracção do sujeito por dentro. Órgãos. Pulso. Vida. A Interioridade ganha uma dimensão física. Sentidos. Sensações.
Boca amarela beija boca vermelha. Boca vermelha beija boca amarela. Beijo-te. Beijas-me. Beijo-te. Beijas-me. Beijo-te. Beijas-me. Quem beija quem? Dito tão rapidamente, até parece que nos beijamos.
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- Ainda não me disseste o teu nome.
- Tiago. E o teu?
- O que é que te dizem os meus lábios?
- Dizem-me Sofia. É Sofia o teu nome?
- Não. Eles mentem-te. O meu nome é Maria.
- Quero pedir-te uma coisa, Maria. Que me digas sempre a verdade.
- Por isso te disse que me chamo Maria. A Sofia só te diria mentiras. As nossas bocas são tudo o que existe e a única verdade é o nosso beijo.
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um beijo que é como um poema.
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